Do mesmo barro

Artigo publicado na Revista Empreendedor

Maio/2015

Nós nos desdobramos por nossos clientes. Seja por interesses financeiros (sabemos que eles são a única fonte confiável de lucros), seja por questões altruístas de prestar um bom serviço (para alguns, fonte insubstituível de realização), seja porque gostamos deles e desejamos fazê-los felizes (amor ao próximo nos negócios –por que não?), seja porque é assim que os negócios funcionam desde os tempos dos mascates, mercadores e caixeiros-viajantes. O cliente é a razão de ser de qualquer negócio, reverbera o célebre bordão.

Sobre o cliente externo parece não haver dúvidas e, ainda que a atenção e os interesses divirjam, está aí a linha superior do balanço que informa a somatória da receita para confirmar a sua importância, tanto para a sobrevivência como para a prosperidade de qualquer negócio. Mas, e o cliente interno? Pergunta inquietante: o que você fez nas últimas 48 horas para o seu time, ou seja, os seus colaboradores?

Para facilitar a resposta, aqui estão alguns exemplos bem comuns, de iniciativas para clientes externos. É possível que você abra a agenda de imediato para atender a demanda urgente de um deles, que agende almoços ou jantares com alguns, que mande flores ou lembranças em dias de aniversário ou datas comemorativas, que se desdobre em gentilezas quando os encontra. Perfeito, mas tem sido assim também com os seus clientes internos? Na mesma intensidade? Você é a mesma e afável pessoa diante de uns e de outros? 

Há líderes que invertem a seta e tratam os clientes internos como se eles fossem fornecedores, de informações, de soluções, de resultados e de todo o tipo de tarefas. Por isso, caminha pelos corredores da empresa bradando aqui, cobrando ali ou abusando dos meios eletrônicos para fazer o follow-up. Aí reside um engano muito comum: você, líder, é o fornecedor, não eles!

Muitos clientes internos são obrigados a fazer seu trabalho no piloto automático, alienados que permanecem das informações necessárias para executar bem o que lhes compete. Líder que é líder oferece os dados que propiciam um bom desempenho.

Também existem aqueles clientes internos que, sem respaldo, cometem erros ou negligenciam o padrão de qualidade. Líder que é líder fornece os conhecimentos imprescindíveis para que tudo seja feito com empenho de alto nível. E promove o aprendizado sobre o trabalho, a excelência, o resultado esperado.

Muitos são os clientes internos que não veem significado no que fazem e trabalham como autômatos esperando o fim do expediente para se envolver com algo que considerem realizador. Líder que é líder inspira seus clientes internos, para que enxerguem suas atividades como algo muito além de uma enfadonha repetição de tarefas diárias.

Todo cliente interno gosta de um ambiente de trabalho onde haja uma boa qualidade de diálogo. Líder que é líder cria as condições necessárias para que as conversas sejam produtivas, o clima seja acolhedor e respeitoso, e o cliente interno possa ouvir e ser ouvido.

O cliente interno gosta de desafios, mas quer ajuda diante das dificuldades. Líder que é líder oferece apoio e está disponível para ajudar, espontaneamente ou sempre que requisitado.

Cliente interno tem expectativas com relação ao futuro. Líder que é líder as provê, para que o colaborador possa compatibilizar seus propósitos aos da empresa.

Cliente interno quer crescer profissionalmente e, sobretudo, evoluir como pessoa, o que implica ampliar a consciência. Líder que é líder engendra situações, desafios e aprendizados para que seus clientes internos evoluam continuamente.

Como se vê, tem muito a ser feito para os clientes internos, que merecem tanto cuidado e atenção quanto os externos. Eles querem se sentir informados, fazer parte da equipe, contribuir com os resultados, comemorar vitórias. Sabe o que mais empolga os clientes internos? A interação com os clientes externos, saber que estes consideram importante o trabalho que eles fazem e, assim, receber a gratidão pelos bons serviços prestados. Não há elogio de líder que supere o que vem dos clientes externos.

Lidere a comunidade 

O propósito de toda a empresa deveria ser a formação de uma comunidade geradora de riquezas. É algo que vai além da mera transação comercial, restrita àquelas disputas áridas sobre o menor preço, o tamanho do desconto e o máximo de abatimento, num festival de blefes e cartas na manga, que só faz reduzir a relação humana ao que existe de mais rasteiro.

Ainda que superficiais, são as relações humanas que transformam as efêmeras transações de negócios em conexões consistentes que extrapolam os estreitos limites da troca comercial. Não podemos esquecer que mercados são pessoas e pessoas abrigam sentimentos, medos, angústias, alegrias, esperanças e buscas. Se avançarmos além da superficialidade comercial, veremos que tanto o cliente interno como o cliente externo são seres com as mesmas vulnerabilidades e anseios. Ambos são ávidos de amor e intimidade, mesmo que aquele sisudo executivo da multinacional assim não pareça. Ambos procuram vitalizar as suas energias, querem dar o melhor de si, têm mais dúvidas do que certezas, e, parafraseando o filósofo Friedrich Nietzsche, são “humanos, demasiadamente humanos”. Isso tudo justifica uma comunidade.

Se esse conjunto de pessoas – clientes internos e externos – deixar de ser visto como identidades separadas, só por causa do papel que cada um desempenha, vai ser mais fácil gerar satisfação, alegria e riquezas para todos. Nem vai ser necessário ocupar-se tanto com derivativos como a tentativa de aprender empatia ou a contratação de pesquisas internas e externas, daquelas que parecem considerar esses clientes como viventes de outro planeta.

Mergulhando para longe de onde as ondas quebram, dos maremotos e tsunamis – como metáforas para os conflitos humanos – veremos que, lá no fundo, reina a paz e a harmonia. Nas profundezas de cada ser humano encontraremos os mesmos arquétipos. É a partir da compreensão das semelhanças que podemos lidar de forma compassiva e tolerante com as diferenças. É a partir das conexões entre clientes internos e externos que temos condições de reunir forças para construir uma obra coletiva que seja motivo de admiração e engajamento para todos que dela participem. Uma comunidade no verdadeiro e mais belo sentido da palavra! 


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