O mundo como ele é

Publicado: Revista Empreendedor (Mar/2016)

A relação ganha/ganha é sempre desejável. Quem não a quer? É o melhor dos mundos, esse em que todos saem ganhando. E isso acontece sempre que as partes mutuamente dialoguem, dispostas a aceitar que ambas podem ter algo a ganhar caso se empenharem, de verdade, na solução do problema.

A relação ganha/ganha traz prosperidade, pois parte de premissas prósperas por si mesmas: comunicação aberta em que as cartas são postas à mesa aos olhos de todos; sensibilidade para acatar tanto as diferenças como identificar os pontos de conexão nas semelhanças; atitude predisposta à confiança; junção de esforços, inteligências e energias em prol do que seja o melhor para todos.

Quando existem essas condições, também estão presentes, valores superiores, como a cooperação, a criatividade, a verdade, a solidariedade. Todos a serviço da nutritiva relação ganha/ganha. Mas…

… mundo, mundo vasto mundo

Se eu me chamasse Raimundo seria uma rima, não uma solução. Os versos de Drummond revelam o lado gauche da vida. E relações ganha/ganha são mais exceções do que regras. Existem outras, entre as quais a mais nociva é a relação ganha/perde. Nesta, há uma parte que atinge seu objetivo, de maneira a impedir que a outra o faça. Os resultados nunca serão melhores.

O que existe de mais negativo na relação ganha/perde é o que acontece depois da vitória/derrota: o aumento do preconceito de cada parte à outra; o sentimento de êxito pode resultar em presunção e relaxamento; o reforço de algumas crenças equivocadas entre os “ganhadores”.

De lado de quem perde, são outros os efeitos: a utilização de mecanismos que distorcem a realidade; a justificativa da derrota nem sempre baseada na verdade; o rancor entre os vencidos e os vencedores. E, quando existe rancor, vem o desejo de vingança, cujo principal prejuízo é perpetuar ainda mais a predatória relação ganha/perde.

E ainda tem mais: na relação ganha/perde o antagonismo se acentua, dificultando qualquer possibilidade de cooperação num futuro próximo.

É claro que nem sempre os efeitos são negativos para quem perde. Por exemplo: a iniciativa de guardar a viola no saco, se a derrota for encarada e aceita, em seguida, o ímpeto de partir para outra, em busca de melhorar o desempenho. Já dizem os versos da canção: “levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima! ”. Essa atitude, no entanto, requer alto nível de maturidade, por parte de quem perde, não muito comum na maioria dos casos. Por isso, a melhor regra é: evitar a todo custo relações do tipo ganha/perde.

Mundo, mundo…

Disse que a relação ganha/perde é a mais nociva. A relação perde/perde não seria ainda pior?

Ela acontece quando as partes fazem concessões, aflouxam em seus valores, definem acordos espúrios e o resultado final não está coerente com nenhuma das posições. E piora sobremaneira quando alguém com mais poder e dele abusando intervém e determina a solução de uma forma que não interessa a nenhuma das partes.

Os efeitos são muito parecidos com aqueles dos perdedores na situação ganha/perde, ou seja, distorção da realidade, justificativas que manipulam a verdade, ímpeto de revanche.

A relação perde/perde pode parecer estúpida, sob uma análise racional, porém é mais comum do que deveria. Ela pode se perpetuar, quando a parte mais fraca se submete, sem outra alternativa, à ganhadora. A relação prossegue, como uma tristeza sem fim.

Ainda assim, a relação perde/perde ainda é melhor do que a relação ganha/perde, pois pode chegar a um ponto próximo da ruptura que não reste mais nada a não ser restabelecer as ligações em outros moldes, de maneira que os valores, até então submersos, voltem à tona, dando nova vida ao relacionamento.

Vasto mundo

Mundo, mundo vasto mundo, mais vasto é meu coração. Assim Drummond conclui o seu poema, na esperança de que saibamos evitar tantos desgastes emocionais, para construir um universo mais conciliador e humano, respaldado em relações ganha/ganha. Com excelentes perspectivas para todos. Sem exceção.


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