Uma conversa sobre gente no trabalho

Na varanda da casa simples onde o tempo parece andar descalço, Dona Áurea e sua filha Jarina tomam café. O sol já vai alto, mas ali o ritmo é outro. Mais lento, mais inteiro, mais humano.

Jarina está de férias, mas a cabeça ainda gira no compasso das metas, reuniões e desligamentos. Traz a inquietação de quem lidera pessoas e sente que, apesar dos esforços, algo ainda escapa pelos dedos.

– Mãe – começa, com a xícara nas mãos – porque tá tão difícil atrair, motivar e reter gente boa nas empresas?

Dona Áurea ajeita o lenço, pensa por um segundo e responde do jeito de sempre: com imagens que dizem mais do que as palavras.

– Gente, minha filha, não é parafuso para se apertar nem folha para se arquivar. É semente. E semente só vinga onde encontra chão fértil.

Jarina sorri, mas insiste:

– A gente oferece benefícios, dá bônus, cria um ambiente moderno… mesmo assim, muitos não se engajam. Alguns vão embora, outros ficam de corpo, mas a alma já se mandou.

– Ah, minha filha… vocês ainda estão tentando resolver com folha de pagamento o que só se resolve com folha de presença. E presença não é estar no tempo que corre, mas no tempo que não passa.

Jarina ouve sem entender.

Dona Áurea prossegue, enquanto coloca a xícara sobre a mesa:

– Atrair gente boa é como chamar passarinho. Tem que ter árvore certa, silêncio, afeto. Quem tem alma inquieta não pousa onde só tem grade e grito. Tem que ter beleza, propósito, liberdade.

– E motivar?

– Motivação é bicho arisco. Não se empurra, se atrai. Cada pessoa tem uma chama dentro de si. Tem líder que só cobra resultado, mas não sabe como elevar a chama. Motivar é isso: acender a chama que faz os olhos brilharem, não apertar parafuso.

Jarina respira fundo.

– E reter, mãe? Como é que a gente faz para segurar quem é bom?

– Gente boa não se segura. Se conquista. Todo dia. E não é com salário, é com atenção, interesse e amor. Quem sente que pertence, não precisa de algema. E quem não sente, nenhum contrato segura. Se a empresa for só um lugar de ganhar dinheiro, o pessoal vai embora por qualquer vintém a mais. Mas se for um lugar onde a pessoa sente que floresce, ela vira raiz.

Jarina olha para a mãe com admiração. Como é que ela sabe tanto, sem nunca ter pisado numa sala de MBA?

– Mãe, a senhora devia dar palestras para a liderança lá da empresa…

Dona Áurea ri, aquele riso manso que abraça.

– Eu? Não sei dessas coisas de telão e microfone. Mas se quiser, posso ensinar a passar o café e ouvir com o coração. Às vezes é só isso que está faltando.

Silêncio. Os passarinhos cantam ao fundo. O vento brinca com as folhas. E, naquela varanda, um novo jeito de ver gente começa a brotar.

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