Há duas inteligências disputando o apelido de “IA”. Uma veste chips, códigos e algoritmos: a Inteligência Artificial. A outra se veste de rito, memória e tradição: a Inteligência Ancestral.
A primeira é rápida, precisa, eficiente. Faz cálculos em segundos, organiza informações em planilhas impecáveis, responde antes mesmo de terminarmos a pergunta. Parece sábia, mas é apenas veloz. Não tem freios éticos, só réplicas matemáticas. É imagem e semelhança de nós – mas do nosso lado frenético, utilitarista e superficial. Quando ensina, repete; quando aprende, copia. Se jogamos lixo, multiplica lixo.
A segunda é lenta, parcimoniosa e resistente. Vive em raízes, não em nuvem. É feita de histórias contadas à beira do fogo, de ditados que atravessam séculos, de receitas transmitidas sem precisar de registro. Mora nos gestos de nobreza repetidos de geração em geração: oferece água a quem chega, cede lugar a quem precisa, reparte o pouco sem medo da falta. Expressa-se na honradez de quem mantém a palavra, mesmo quando custa caro. Floresce na elegância discreta: um olhar que acolhe, um silêncio que respeita, um gesto simples e mais valioso que discursos.
Eis a ironia: celebramos como milagre quando a máquina acerta, mas nos esquecemos de aplaudir quando a humanidade acerta. Estamos hipnotizados pela IA artificial, mas negligenciamos a IA ancestral. É como ter em casa um avô sábio e preferir ouvir a voz da Alexa.
O risco é grande: se só alimentarmos a inteligência artificial com a pressa, a polarização e o humor rasteiro, ela nos devolverá um espelho caricato e nada elegante. Talvez um dia até precisemos nos perguntar, com frieza aritmética: “Humano, tem certeza de que esta é a versão de você que vale a pena imitar? ”.
Sempre há, no entanto, oportunidade. A Inteligência Artificial pode ser reflexo, sim, e todo espelho é chance de ajuste. Podemos escolher quais imagens projetar. Podemos ensinar que vale mais um gesto honrado que mil curtidas. Podemos mostrar que a elegância de uma palavra dita na hora certa tem mais impacto que qualquer algoritmo. E, acima de tudo, podemos provar que nobreza não é um título, mas uma prática cotidiana de grandeza nos pequenos grandes gestos.
Se quisermos máquinas éticas, precisamos antes ser humanos éticos. Se desejarmos algoritmos sábios, precisamos antes cultivar sabedoria verdadeira. Se sonhamos com tecnologia que eleva, precisamos primeiro nos elevar.
Faça um teste simples: ao usar a inteligência artificial para obter uma resposta rápida, dedique também alguns minutos a um gesto ancestral. Ligue para alguém mais velho e peça que lhe conte uma história. Leia um livro antológico e reconheça a sua atualidade. Pratique um gesto de elegância sem testemunhas. Essa é a verdadeira fusão de IAs que precisamos: a inteligência ancestral como bússola e a inteligência artificial como ferramenta.
Se é para sermos imitados, que seja pelo que temos de mais humano: nossa nobreza, nossa honradez, nossa elegância.
Que texto genial!