Diferente do olhar, os ouvidos estão sempre disponíveis para captar sons que não escolhemos. O celular vibra, inclusive em locais e situações inapropriadas. As buzinas invadem o espaço público, sem que precisem pedir licença. O vendedor ambulante faz alarde em qualquer hora, anunciando sua mercadoria. Somos uma civilização surda – não porque não ouvimos, mas porque ouvimos demais, tudo ao mesmo tempo, sem condições de discernir os múltiplos barulhos.
Silêncio virou artigo de luxo. Talvez por isso assuste: quem não está acostumado, sente como se faltasse ar. O silêncio, no entanto, é parte de quem nós somos. Outrora era comum nas conversas em volta da fogueira, na pausa silenciosa diante do sagrado, no travesseiro onde fazíamos as pazes com a consciência.
A verdadeira algazarra, no entanto, não vem de fora, mas de dentro. Os toltecas tinham um nome para isso: mitote. É como um mercado barulhento dentro da cabeça, cada pensamento gritando seu preço, cada lembrança fazendo o seu pregão. O mitote é a feira interna que nunca fecha e só aumenta quando queremos competir com ele no grito.
Não importa se a balburdia venha de fora ou de dentro, existe uma honradez no silêncio que precisa ser conquistada. O amigo que escuta sem interromper, o líder que não precisa provar que sabe tudo, o casal que consegue ficar em paz sem preencher cada minuto com conversa fiada. Há uma elegância em calar no momento certo: não como mitigação, mas como gesto de respeito, como quem diz: “o que você está dizendo merece espaço”.
A provocação é esta: se não conseguimos tolerar dez minutos de silêncio, como queremos que a vida nos revele algo essencial? O barulho constante é anestesia – impede a dor, mas também bloqueia o aprofundamento.
Caso você reconheça o mundo dos zumbidos, saiba que está diante de uma oportunidade: cultivar o silêncio como um luxo acessível. Não se trata de se enclausurar, mas de experimentar pausas deliberadas. Caminhar sem os fones. Comer sem o celular ao lado do prato. Deixar de querer ter razão sempre, cedendo a última palavra. Vale criar pequenas liturgias: antes de cada decisão importante, fazer um minuto de silêncio. Antes de responder uma mensagem agressiva, três minutos de silêncio. Antes de se apresentar em público, cinco minutos de silêncio.
Que tal ainda hoje tratar o silêncio como um luxo ao seu alcance? Reserve dez minutos para não fazer nada – nem ler, nem ouvir música, nem falar. Apenas estar. Talvez pareça inútil, mas é justamente aí que mora a oportunidade.
O que nos faz humanos é a coragem de ultrapassar o mitote e encontrar no silêncio a nobreza, a honradez e a elegância de, simplesmente, ser.