A marcha da insensatez

A história mais famosa do mundo ocidental é a do Cavalo de Troia. Remonta aos idos de 1194 a.C. a 1184 a.C., escrita em versos por Homero no clássico Ilíada. Atravessou mais de 28 séculos e continua viva, inspirando peças de teatro, óperas, dramas e canções. A sua permanência deve-se ao fato de continuar atual quanto à natureza humana e os seus equívocos.

Apenas para relembrar, a guerra entre gregos e troianos se dá quando Páris, filho do rei troiano Príamo, rapta Helena, esposa de Menelau, rei grego de Esparta. Com o apoio do seu irmão Agamenon, o marido força a devolução da mulher. O estopim da guerra acontece quando Troia se recusa a atender a exigência.

Esse é o contexto. Interessa-nos o texto, ou seja, o ardil armado pelos gregos para tomar Troia, uma cidade protegida por uma muralha considerada intransponível. Trata-se de um estratagema, ou seja, a construção de um cavalo de madeira grande o suficiente para abrigar em seu interior cerca de vinte a cinquenta homens armados, capazes de iniciar um conflito decisivo para os invasores.

Do lado de fora do artefato, havia uma descrição da oferenda grega, com um pedido de ajuda aos deuses para o feliz regresso ao lar. Indicava, pois, a possibilidade do final do conflito, como se os gregos estivessem em retirada, até porque seu contingente havia se deslocado para uma área mais distante.

O que fez com que soldados penetrassem no esconderijo com o auxílio de uma escada de cordas a meio caminho entre a vitória e a morte? Reserve a pergunta, enquanto seguimos na história.

Pela manhã, os sentinelas troianos acharam mesmo que o inimigo partira, deixando apenas a estranha e assustadora figura de madeira diante dos portões da cidade.

Um dos velhos conselheiros da realeza troiana recomendou que levassem o cavalo para o interior da cidadela, demonstrando gratidão pelo presente. Outro, fazendo contraponto, recomendava que a oferenda fosse queimada ou destruída a golpes de machado, abrindo-a para verificar o que havia em seu interior.

As alternativas foram discutidas e a decisão – obviamente equivocada – foi levar a dádiva para dentro da cidade. Para tanto, foi preciso derrubar as entradas, porque o cavalo era imenso. Assim que a o artefato foi sendo conduzido, uma parte da multidão clamava para que fosse destruído, queimado e jogado ao mar. Outra parte dos cidadãos era contrária, porque o povo troiano considerava o cavalo um animal sagrado.

O final da história todos conhecem, daí o Cavalo de Troia ser também conhecido como “presente de grego”, denominação popular aos presentes que causam prejuízos a quem os recebe. E foi o que aconteceu aos troianos, invadidos e vencidos pelos gregos.

A história é mais longa, porém os detalhes não vêm ao caso. Outra pergunta paira no ar: por que os troianos fizeram a escolha errada?

No seu magnífico livro A Marcha da Insensatez, cujo título tomo emprestado, a historiadora que ganhou o prêmio Pulitzer, Barbara W. Tuchman, relata vários casos em que os homens com poder de decisão política frequentemente agem de forma contrária àquela apontada pela razão e por seus próprios interesses.

De Troia ao Vietnã, a autora relata a insensatez humana presente em vários episódios. Ela conclui que “nossa espécie, ao que tudo indica, quando se trata de governar, apresenta resultados bem menos brilhantes do que os obtidos em outras atividades humanas”.

A invasão de Brasília, como um cavalo de Troia anunciado, mostrou isso. Tivemos, no lamentável e revoltante episódio, as respostas para as duas perguntas deixadas no ar: o que faz com que pessoas arrisquem e maculem sua vida entre a vitória e a morte, tal qual os soldados gregos? E por que os troianos fizeram a escolha errada?

Paixão é a resposta para a primeira pergunta e é o que faz o ser humano abandonar tanto o pensamento como o comportamento racionais. Os gregos chamavam de Ate a deusa das Paixões, da Malícia, do Engano e da Cega Insensatez, tornando suas vítimas incapazes de escolha racional, impossibilitadas de distinguir entre atos morais e imorais.

Poder é a resposta para a segunda pergunta. Algo acontece com os governantes que não conseguem enxergar outra alternativa além da que decidem adotar. A percepção se estreita em uma única e possivelmente equivocada direção.

A autora mostra que a insensatez independe de época ou lugar. É intemporal, universal, não tem a ver nem com o regime em vigor: monarquia, oligarquia ou democracia. A causa está no exercício equivocado do poder. A insensatez política é filha do poder. O poder alimenta a insensatez.

Fiquemos atentos como governantes que somos de nossas próprias jurisdições: a empresa, a família, a comunidade.

Vamos seguir em frente, sempre com sensatez!

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Sônia Fonseca
Sônia Fonseca
1 ano atrás

Como sempre, os textos de Roberto são reflexivos e inspiradores. Parabéns!

Antonio N.Castro Junior
Antonio N.Castro Junior
1 ano atrás

Como é bom ser presenteado com a sensatez desse texto.

Claudio Oliiveira
Claudio Oliiveira
1 ano atrás

Excelente reflexão, num momento muito adequado, quando a insensatez tem feito muitos estragos. Nas famílias, empresas, comunidades e países…

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