ou a coragem de lavar batatas
Era uma vez, na ilha distante Koshima, no Japão, um grupo de macacos da espécie fuscata, que ali vivia há gerações, alimentando-se de batatas-doces. Essas batatas rolavam das encostas direto para a areia e vinham sujas, claro. Ninguém, no entanto, parecia se importar. Comer com areia era parte do tempero local. Dava crocância, diziam os mais antigos. “Sempre foi assim”, repetiam, com a boca cheia de terra e tradição.
Até que um dia, antes de comer, uma jovem macaca – curiosa, inquieta e aparentemente com mais papilas gustativas do que os outros – teve a ousadia de lavar a batata no riacho. Percebeu um novo e mais puro sabor, além da textura bem suave, sem areia rangendo nos dentes. Ela havia descoberto um jeito melhor de se alimentar.
Ao invés de ser aplaudida pela iniciativa, ela foi ridicularizada por seus pares. “Tá querendo aparecer, é?”, “Que frescura”, zombavam. “Isso é exibicionismo e pura vaidade”. Alguns ameaçavam bani-la do grupo, outros viraram o focinho com desdém.
Ela havia quebrado um acordo tácito: o pacto da mesmice, do “sempre foi assim”.
Mesmo isolada, seguiu lavando as suas batatas. Sozinha, mas firme. Aos poucos, um ou outro macaco a espiava pelos arbustos. Um deles tentou lavar também. Foi zoado. Mas sentiu o gosto e não quis mais saber de areia nos dentes.
Com o tempo, mais e mais macacos foram experimentando e gostando. Lentamente. Uns por curiosidade, outros em segredo. Cada novo adepto era um elo silencioso de uma mudança maior que nenhum deles podia ver por completo.
Até que, quando 50%+1 dos habitantes da ilha lavavam as batatas antes de comer, algo inesperado aconteceu. Um campo novo ser formou. Um padrão coletivo emergiu. A mudança aconteceu. A partir daí todos os macacos da ilha passaram a fazer o mesmo espontaneamente e o comportamento se espalhou até para outros grupos em ilha próximas, sem o contato direto. Como se uma inteligência coletiva tivesse sido instalada. Como se uma “versão 2.0 de comer batatas” tivesse sido atualizada.
Primeira moral da história: toda inovação verdadeira começa com uma transgressão da normalidade.
Segunda moral da história: toda prática nobre começa sendo solitária, estranha e combatida.
Terceira moral da história: existe um limiar em que a coragem de uns cria o campo de possibilidade para todos. Esse limiar é 50%+1 da população, quando podemos considerar que a mudança está garantida.
Assim se dá o processo de instalação de uma nova cultura: os primeiros macacos lavavam as batatas e eram vistos como estranhos – afinal, desafiavam a norma do grupo. Outros zombavam ou até os agrediam, como se o novo comportamento fosse uma ameaça à tradição ou à segurança da tribo. Ainda assim, a prática persistiu, se espalhou e virou cultura, quando todos passaram a fazer o mesmo.
Perguntas para reflexão:
· Você está vivendo com criatividade ou só comendo “batatas sujas”, em nome da tradição?
· Qual foi a sua “batata lavada”? Aquela ideia, atitude ou escolha que parecia esquisita, mas que você sabia ser o certo?
· Você se dispõe a ser o primeiro macaco? Aquele que nada contra a maré, mas será uma referência amanhã?
· Qual a medida do seu comportamento empreendedor e capacidade criativa?