Nunca estivemos tão acompanhados… e tão sozinhos. É como se vivêssemos em uma festa lotada, mas cada um trancado em seu próprio banheiro, falando com o espelho. O celular virou o novo oráculo: acordamos com ele, almoçamos com ele, dormimos com ele. Há quem o consulte mais do que ao próprio travesseiro.
Temos centenas de contatos, mas quase nenhuma conexão. Amigos espalhados pelo mundo, mas às vezes ninguém para dividir um café na esquina. Grupos e mais grupos de zap, mas, quando o coração aperta, a resposta que chega é um “rsrs” ou um emoji.
Curioso como, em plena era da comunicação instantânea, a frase mais rara de ouvir é: “estou aqui, me conte com calma”. Não há calma: só a pressa e o silêncio. Muitas vezes o coração está aflito, mas recebemos um emoji genérico, daqueles que servem para qualquer ocasião, de nascimento a velório.
A ironia é que vivemos no excesso de contatos e na escassez de vínculos. Multidão de vozes, mas falta escuta. Milhares de fotos, mas falta um olhar. O emoji risonho economiza palavras, mas também economiza afeto.
Eis o paradoxo: a solidão digital, que deveria ser tragédia, pode ser enxergada como uma oportunidade. Oportunidade de desapertar o botão de “enviar” e apertar a mão de verdade. Oportunidade de trocar o “visualizado às 22h15” por um “me conta, estou te ouvindo”. Oportunidade de recuperar a arte do encontro, tecnologia milenar que nunca precisou de atualização do app.
Talvez esteja na hora de inaugurar um movimento de resistência: a rebelião da presença. Uma espécie de “desobediência digital” em pequenas doses. Ligar, em vez de enviar um áudio. Escrever bilhetes à mão, mesmo com os garranchos. Convidar para uma caminhada sem destino, onde se possa ouvir o canto de um passarinho.
Sejamos francos: ninguém vai contar, no leito de morte, a quantidade de seguidores ou de postagens. Mas talvez alguém se lembre, com um sorriso nos lábios, de uma tarde simples em que foi ouvido sem pressa tendo o pôr do sol como testemunha.
Que tal, então, transformar a solidão em rede em uma rede humana de afetos? Uma suave revolução: cada um com o outro e todos com a própria vida.
Coragem! Ouse.