O tempo e a vida, segundo Adamastor

Certamente você conhece o Adamastor. Se não, confira.

Adamastor nasceu sete minutos atrasado. A parteira olhou o relógio, olhou o menino e disse: “Esse aqui vem com defeito de pontualidade”. Pareceu uma profecia, pois ele nunca mais chegou na hora.

Na escola, entregava os trabalhos depois do prazo, com alguma desculpa: o cachorro comeu (“mas você nem tem cachorro, Adamastor” – dizia a professora), a impressora travou, o universo conspirou. No fundo, o problema era sempre o mesmo: ele tentava viver quatro agendas de uma só vez, sem dar conta de nenhuma.

Adulto, Adamastor virou consultor. De quê, ninguém sabe ao certo. Sua agenda era um labirinto emocional: marcava duas reuniões no mesmo horário, esquecia aniversários, confundia dias úteis com feriados facultativos. No próprio casamento, atrasou 42 minutos. Disse que o motorista se perdeu no caminho do destino.

Seu filho, pacientemente, esperava por ele todos os dias no portão da escola. Várias vezes foi o último a sair, acompanhado da coordenadora, que já sabia de cor as desculpas do pai: trânsito, pneu, cliente, vida. A mãe, por sua vez, colecionava jantares adiados. “Hoje não vai dar, amor”, ele dizia, enquanto remarcava a promessa para a semana seguinte, que nunca chegava.

Não era má pessoa, mas, como muitos, um escravo elegante da própria indisciplina. Vivia correndo, como se o atraso fosse um traço da personalidade, um tipo de charme. Acreditava-se produtivo, como se a vida fosse uma linha de produção. Só que o tempo, esse velho disciplinado, não perdoa nem espera.

Certa vez, perdeu um contato importante porque confundiu o dia da semana. Na mesma data, seu filho se recusou a esperá-lo. “Chamei um Uber, pai. Ele, pelo menos, chega. ” A esposa, com a serenidade de quem se cansou, marcou um jantar – sozinha. Não foi o fim, mas um alerta.

Adamastor começou a perceber que não desrespeitava só o relógio. Era o tempo dos outros. E, mais ainda, seu próprio tempo. O tempo de estar. O tempo de ser. De estar bem com os outros. De ser confiável.

Hoje, ele ainda atrasa, uma vez ou outra. Mas está tentando consertar a falha. Guarda um mantra na carteira: “chegar na hora é uma questão de honra e de elegância”.

Descobriu que honrar compromissos não é apenas sobre o tempo dos relógios. É sobre presença, inteireza, nobreza. Coisas que enriquecem a vida – a própria e a dos outros.

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