Apologia ao Inútil

Vivemos tão ocupados que não temos tempo de perceber o quanto estamos ocupados. Corremos com eficiência para lugar nenhum. Resolvemos tudo, menos nós mesmos.

Chamamos de foco o que, na maioria das vezes, é túnel. O foco intensifica, o túnel estreita. Nele, o olhar fica tão restrito que só cabe em uma planilha. A vida, aventura ampla, escapa pelas bordas do monitor.

Por isso, talvez esteja na hora de reabilitar o Inútil, sempre injustiçado no mundo utilitarista das empresas. O Inútil é o café demorado, o olhar pela janela, o cochilo breve. É a conversa que não leva a nada e, justamente por isso, nos traz de volta a nós. É o rabisco do guardanapo, o passeio a esmo, sem meta, a leitura de um poema no meio do expediente.

As empresas, acostumadas ao verbo “entregar”, esquecem que há outros igualmente nobres: contemplar, escutar, saborear, divagar. Nenhum deles consta no plano estratégico, mas todos são matéria-prima da criatividade.

O autodomínio, nesse contexto, não é uma forma de se controlar, mas de descomprimir. É o poder de dizer “basta” ao automático, de fechar dez abas mentais e abrir uma única: a da presença. É o direito da breve improdutividade, para permanecer na inteireza.

A metaconsciência – estranha palavra que soa mais a nome de remédio do que a virtude humana – é, no fundo, simples: perceber a própria dispersão. É flagrar-se rolando o celular pela décima vez e rir de si, com ternura. É o intervalo lúcido entre o impulso e a escolha.

Chegamos, então, à banda larga da alma, que nos permite captar as sutilezas do instante. Gente com banda larga interior percebe mais: o tom da voz, o brilho no olhar, o silêncio entre as frases. Liderar é, em grande parte, sintonizar.

Para isso, é preciso folga. Sim, folga! Palavra que provoca arrepios nos cronogramas, mas deveria ser tratada como patrimônio da sanidade. Sem folga, o raciocínio empedra, a emoção seca e o humor tira férias. Com folga, o pensamento respira e o coração volta a trabalhar por prazer, não por obrigação.

A apologia ao Inútil, portanto, é uma defesa da humanidade no meio da pressa. É lembrar que as grandes ideias raramente nascem em reuniões de pauta, mas quase sempre em trajetos distraídos – no banho, no trânsito, enquanto se rega uma planta.

O Inútil é fértil. É nele que o foco se alarga, a disciplina se fortalece e o propósito reforça o seu brilho.

No fim das contas, o segredo da alta performance talvez seja, exatamente, o que ela mais abomina: tempo para o inútil. A ele, portanto, com toda a grandeza que permite.

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