A Revolução da Vida: da biologia à biografia

“Bem-vinda e bem-vindo ao Planeta Terra.

Você acaba de receber um traje corporal, tamanho infantil, concedido de empréstimo e ficará consigo durante toda a sua estadia. Enquanto aqui estiver, sua responsabilidade é cuidar bem dessa vestimenta especial. Deve garantir que cresça saudável, amadureça e envelheça.

Nos próximos oitenta ou mais anos de sua experiência humana, a Terra será o seu lar, um lugar de aprendizado e cultivo.

Seu corpo foi projetado especialmente e nos mínimos detalhes para ajudar você ao longo de todo o processo, de maneira que consiga realizar seus objetivos no planeta.

Ao final de sua visita, você deverá devolver o traje, porque ao partir não poderá levar nada do que adquiriu em sua permanência. Na ocasião, contará apenas com um registro do que vivenciou, das experiências de aprendizagem e do cultivo realizado como ser humano. ”

Chegamos ao mundo sem manual de instruções, nem senha de wi-fi e a menor ideia de onde estávamos nos metendo. Apenas escutamos alguém dizer “nasceu!” e saímos com as dádivas da biologia: um corpo inteiro, pulmões novinhos em folha, coração na garantia e um cérebro que ainda não sabe distinguir leite de água.

A biologia é esse kit básico da vida: ossos, pele, hormônios, um punhado de neurônios e a mensagem entre aspas. A vida biológica é uma dádiva. Mas aí começa o segundo capítulo dessa história: a biografia. A parte que não vem pronta e que é por nossa conta. Se a biologia é dádiva, a biografia é retribuição. Uma é o presente que ganhamos; a outra é o agradecimento que escrevemos de volta. Às vezes com letra bonita, outras vezes com borrões.

Ao longo da existência vamos descobrindo que escrever uma biografia não é fácil. Tem trechos de romance, capítulos de comédia, páginas de tragédia e uns parágrafos que a gente preferia arrancar. Às vezes dá vontade de entregar o diário e dizer: “Desculpe, Senhor, não era bem isso que eu queria escrever. Tem como recomeçar?”. E Deus, com Sua eterna paciência de revisor, responde: “Tem. Enquanto tivermos tinta, sempre tem”.

Mas há quem passe a vida inteira apenas cumprindo a biologia: respirando, comendo, dormindo, pagando boletos e dizendo que “amanhã eu começo a viver de verdade”. E o amanhã vira semana, mês, ano… até se transformar em uma pergunta silenciosa: “E a sua biografia, vai começar quando? ”.

Existir é involuntário, automático. Viver, no entanto, é o exercício das potencialidades. É transformar batimentos cardíacos em gestos de elegância. É usar a voz para dizer algo que vale a pena ser ouvido. É devolver à vida mais do que recebemos, mesmo que seja um sorriso, um afeto, um gesto de gentileza, um abraço bem apertado.

A beleza da biografia é que ela não precisa ser um poema épico. Deus não pediu um Nobel da Literatura. Pediu apenas que não entreguemos o caderno em branco. Que tenha alguma história, alguma coragem, alguma entrega. Que, ao final, possamos dizer: “Não desperdicei a biologia. Transformei em biografia – do meu jeito, com rabiscos e erros de ortografia”.

Se for assim, diante da alegria do Criador, a dádiva terá sido bem retribuída. Amém.

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Natane
Natane
7 dias atrás

Adorei conhecer seu blog, tem muito artigos bem interessantes. loteria dos sonhos das 14 horas

Ronan Peres
Ronan Peres
4 dias atrás

Espetacular, como sempre! Admiro demais e ja li todos os livros!

Sidney Porto
Sidney Porto
52 minutos atrás

Simplesmente maravilhoso Roberto. Acho que está entre os melhores que vc já escreveu e, veja, vc sempre escreve coisas muito boas. Parabéns!!!

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