Absurdo desperdício

A história quem conta é o escritor uruguaio Eduardo Galeano. Ela se passa num quartel em Sevilha, na Espanha. No meio do pátio daquele ambiente de caserna havia um banquinho. Junto dele, um soldado montava guarda. Ninguém sabia por quê. Ainda mais dia e noite, 24 horas. De geração em geração os oficiais transmitiam a ordem e os subordinados obedeciam. Sem nenhuma curiosidade ou questionamento. Sempre foi feito e assim continuava.

Tal coisa estranha se perenizou até que alguém – sabe-se lá se um coronel ou um general – resolveu acender a lâmpada da curiosidade sobre o procedimento.  Queria conhecer a origem da história. Foi preciso, então, revirar os arquivos e buscar os anais. Depois de tanto investigar, descobriu-se. Galeano relata que, trinta e um anos, dois meses e quatro dias antes, um oficial tinha mandado montar guarda ao banquinho, que fora recém-pintado, para que ninguém sentasse na tinta fresca.

O fato, embora real, beira a anedota. E revela o risível do trabalho burocrático, sem sentido e significado, apenas a tarefa pela tarefa.

Você já deve ter se deparado, como cliente, com a frase “eu apenas trabalho aqui”, quando buscou ajuda de algum atendente para a solução de um problema. Não é incomum. A desculpa equivale a dizer “eu faço o que faço, mas não sei porque faço” ou “não me arranje encrenca, eu apenas cumpro ordens”.

Emprego é diferente de trabalho, assim como ocupação, de realização. Emprego é registro, preenchimento de um cargo ou função, conjunto de tarefas e afazeres, horários rígidos, descanso semanal regular, fundo de garantia, benefícios e férias. Uma maneira de se ocupar enquanto se espera a aposentadoria e a morte.

Trabalho é outra coisa. É exercer potencialidades, usar dons e talentos, engajar-se em um propósito, compor uma equipe, imaginar e criar, realizar do lado de fora enquanto se realiza internamente. O horário quem faz é o desafio, que nem sempre resguarda férias e fins de semana. Trabalho é projeto de vida e, por isso, transcende a aposentadoria e a morte. Vai além, pois deixa pegadas. Eterniza-se.

É como a diferença entre existir e viver. “Eu apenas existo” é como “eu só trabalho aqui”. Assemelha-se a montar guarda, a vida inteira, de um banquinho. Sem saber para quem ou porquê. Tão inútil quanto absurdo. Total e desumano desperdício! 

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