Além do que se vê

Existe um tipo de percepção sobre a realidade que podemos denominar de “nada além”. Ao contemplar a natureza, o arco-íris é “nada além” de gotículas de água sob raios de luz e a lua, “nada além” de um satélite a mais no céu. Ao examinar obras de arte, a música é “nada além” de combinações de notas musicais e pintura, “nada além” da junção de pigmentos químicos. Na sociedade, a justiça é “nada além” da melhor defesa e a democracia, “nada além” de jogo de poder. Negócios são “nada além” de disputa de interesses e altruísmo, “nada além” de reciprocidade. Diante dessa percepção reducionista, o ser humano é “nada além” de mais uma das espécies animais e a vida, “nada além” de uma existência biológica.

“Nada além” é, portanto, uma percepção superficial da realidade e que leva à conformidade, a aceitar as coisas como parece que são.

Transformado em um tipo de hábito, o “nada além” goza da boa fama de ser pragmático, objetivo, pés no chão, mas reduz a sensibilidade quando se trata de desfrutar uma sinfonia, uma pintura ou magníficos fenômenos da natureza. Mais que isso: ao ficar na superfície insensível, perde-se a capacidade de revelar o que está velado.

Quando o “nada além” toma conta dos nossos olhos e sentidos, isso afeta a percepção do mundo como um todo. Fixar-se nele é o principal obstáculo que nos impede de avançar para um novo mundo, o mundo do “para além”. É justamente na expansão ao “para além” que a boa sorte se abre quanto a novas oportunidades e os mistérios acontecem.

Em meu mais recente livro “Pedaços de Brasil que dão certo”, discorro sobre dois tipos de economias: a “normal” e a “ao natural”. A normal é bem conhecida e entre suas principais características encontram-se a competição, a obsessão pelo lucro, a voracidade e a ganância. Para muitos, não existe “nada além” delas e todas são bem aceitas, não importa os danos que causam. Afinal – argumenta-se – nada existe além disso. Para quem se conforma com o “nada além”, não há mesmo nada a fazer “para além” disso.

Quem se instala como um posseiro no território do “nada além”, costuma transferir a culpa pelos maus resultados de seus negócios na economia, no mercado, na concorrência, no governo. Não consegue enxergar que esse território é um espaço limitado.

O fato é que não existem limitações de mercado ou de oportunidades. Existem, isso sim, restrições na qualidade e na amplitude do olhar. Para quem está fixado no determinismo do “nada além”, é impossível imaginar que exista algo mais. E é no “para além” que vagueiam imaginações, ideias e oportunidades.

A economia normal é o mundo do provável. Deter-se nela é continuar dando voltas sem sair do lugar. A economia ao natural é o mundo do possível, espaço em que o novo, o inusitado, o utópico se oferecem para quem o acessa.

Às vezes, tudo o que leva a sair da prisão do “nada além” é um pouco mais de fé, coragem e esforço. E todos esses valores e atitudes já estão em você, para além da sua experiência biológica. Acredite e ouse!

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Jeanne1922
Jeanne1922
1 ano atrás



Roussel
Roussel
1 ano atrás
Roussel
Roussel
1 ano atrás



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