Os detalhes da liderança emblemática

Emblema é algo simbólico, porém concreto, representativo de uma ideia abstrata. Um líder emblemático é hábil em traduzir algo tangível para elucidar um propósito intangível. Capaz, portanto, de anunciar no aqui uma intenção do acolá. 

No universo sempre pragmático das empresas, o acolá é inconcluso. Elas precisam de algo que as leve para a concretude do aqui, pois, sem esse feito, não haverá resultados. E resultado, no mundo dos negócios, é tudo.

Tanto um tapete como algumas drágeas de chocolates podem ser emblemas representativos de algo abstrato, a excelência. Ilustro com dois exemplos.

Nos idos dos anos 90 era comum encontrar o Comandante Rolim, fundador e presidente da companhia aérea TAM, checando o embarque de passageiros. Queria verificar se todos estavam bem, se precisavam de alguma coisa. Às vezes, ele mesmo assumia a tarefa de distribuir balinhas, poltrona por poltrona. 

Depois de se despedir de todos, inclusive da tripulação, um dia o mestre em excelência queixou-se das manchas de sujeira que observou no carpete do avião, algo que não representava a cultura de experiência ao cliente sempre cultivada e apregoada por Rolim. 

Um funcionário da terra justificou a falha, com um argumento correto: ao caminhar pela pista suja, quando os passageiros entravam na aeronave, acabavam deixando marcas no carpete. Aparentemente, era um problema insolúvel. Foi então que um mecânico que estava por ali resolveu dar seu pitaco.

– O jeito é colocar um tapete na frente da escada. Vai ser bem mais fácil de recolher e limpar, do que o carpete do avião, o que também retardaria o ingresso dos passageiros. 

E o legendário líder, com a satisfação expressa na cara, arrematou:

– Claro, mas se vamos colocar um tapete para receber os clientes, que seja vermelho. É assim que devemos tratá-los, do jeito que acontece com reis e rainhas pelo mundo. 

O tapete vermelho passou a ser um emblema da TAM, representando a cultura da excelência. Talvez tenha sido o maior legado do Comandante Rolim, que em vida não pode fazer a sucessão daquela que foi a mais inovadora das companhias aéreas brasileiras de todos os tempos.

Sabemos que não existe um bom aqui sem um bom acolá. Mas é preciso algo emblemático, tal qual o tapete vermelho da TAM, para que as intenções sejam compreendidas e incorporadas.

Recentemente, li o autor Atul Gawande (Checklist, editora Sextante), um médico cirurgião inconformado com a taxa elevada de falhas médicas comprometedoras da saúde e da vida de pacientes. Dedicado a diminuir esse lamentável escore, resolveu agir para que os procedimentos fossem benfeitos. Ele nos oferece o segundo exemplo de algo concreto no aqui para assegurar as intenções do acolá, contando o costume peculiar de David Lee Roth, líder da banda de rock Van Halen. 

Sempre que a banda era contatada, David exigia uma cláusula no contrato especificando que em todas as apresentações haveria, nos bastidores, uma tigela de drágeas de chocolates M&M´s, mas sem um único confeito marrom, sob pena de cancelamento do show, com pagamento de remuneração integral à banda. Isso, de fato, aconteceu uma vez, no Colorado: um show foi cancelado quando David descobriu alguns M&M’s marrons no camarim.

Embora possa parecer esquisita, a exigência do líder da Van Halen não é de um maníaco-obsessivo nem de uma celebridade excêntrica. Antes, ele é um cuidadoso profissional, que sabe muito bem o que está fazendo. 

A Van Halen foi a primeira banda a levar enormes produções a cidades pequenas. Aportava com nove caminhões cheios de equipamentos. Naquela época, os erros técnicos eram muito comuns, apresentando riscos para as plateias sempre apinhadas de gente. Embora todas as especificações técnicas constassem nos contratos, no artigo 126 ocultava-se a referência ao veto às drágeas marrons. “Se há negligência com os M&M’s marrons,” – raciocina David – “então pode esperar por outros erros técnicos”.

O líder da Van Halen descobriu um jeito criativo de manter a excelência nas apresentações de sua banda, apoiado em simples drágeas de chocolate. Mais uma vez, algo concreto, visível e tangível dando lastro às intenções.

A liderança emblemática não perde a chance de educar a equipe por meio de algo simbólico e representativo das intenções e do propósito da empresa. Dessa maneira, constrói a cultura aproveitando com sabedoria até os pequenos detalhes. Sabe tirar virtuoso proveito, portanto, do que reza o ditado: Deus está nos detalhes. Os exemplos são inspiradores para quem assim exerce a liderança. Reflita e se inspire, ao criar os seus!

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