Agora a revolução é outra

Quem viveu a Revolução Industrial inspirada na mecânica newtoniana jamais apostaria na utopia do bem-estar. Afinal, a manufatura dependia da produção manual e da força braçal, algumas vezes substituídas pela força animal. A carga de trabalho – inclusive para crianças e mulheres – era de 16 a 18 horas diárias, com pequenas pausas destinadas à ligeira restauração física.

Para cumprir tal martírio, era imprescindível um modelo autoritário de liderança, capaz de coagir a mão de obra, sem a qual ninguém, em sã consciência, se entregaria a tarefas tão devastadoras tanto física como mentalmente. O sonho do bem-estar era uma possibilidade remota, uma utopia.

Na medida em que a mecânica produzia máquinas que desempenhavam somente tarefas repetitivas, sobrava aos seres humanos as demais. Era o trabalho do operariado sob a batuta de um líder autocrata, mais parecido com os feitores da era agrícola, precedente da industrial.

Quando a manufatura foi sendo substituída pela produtividade da industrialização, a oferta de bens de consumo aumentou consideravelmente. Se de um lado o bem-estar proporcionava melhor conforto, por outro lado, um mal-estar pairava na civilização.

A máquina, epicentro da era industrial, moldava tudo e todos, incluindo o “aparelho do Estado”, o sistema de educação, a economia e a política. O ser humano como “fator de produção” fragmentou-se em indivíduo sem rosto nem vontade própria. Suas relações pessoais e sociais bem como suas qualidades espirituais ficaram do lado de fora do mecanizado e burocratizado mundo do trabalho. Esse distanciamento colocou o ser humano em oposição à natureza e ao natural dentro si.

Impulsionada pelo capital intelectual e tecnológico, a mecânica deu lugar à eletrônica e uma nova revolução aconteceu e ainda está em curso: a informacional, que cria novos cortejos e constitui tanto uma boa como uma má notícia.

Nossas decisões e ações são capazes de gerar até seis graus de influência. Funciona assim: se eu for desonesto com o meu negócio, aumenta a possibilidade de que outros negócios façam o mesmo. Essa realidade afetará em primeiro lugar os mais próximos e conhecidos e atingirá, em seguida, os menos próximos e até os desconhecidos. Com a tecnologia disponível e mais acessível, tudo ocorre em uma velocidade incontrolável.

Não é de estranhar que estejam ruindo os conhecidos padrões de família, comunidade, negócios e até de nação. Mas há algo novo no ar. O bem também desfruta dos seis graus de influência. Fala-se de uma nova política, uma nova economia, uma nova sociedade, uma nova espiritualidade. O desafio não é mais o do bem-estar. O desafio, agora, é do bem-viver. Precisamos de um consenso inédito sobre os significados, os valores, os propósitos, os símbolos e a consciência da nossa interligação como moradores de uma mesma casa. Não adianta fingir ou acreditar que a Guerra da Ucrânia não é problema nosso. A repercussão do conflito resvalará sobre todo o planeta. Inexoravelmente.

A Economia ao Natural, como proposta de uma nova economia, é mais flexível e menos hierárquica. Estará mais conectada com a ordem natural, a mesma que rege a própria natureza e o natural em cada um de nós. Precisa estar em desenvolvimento. Um líder autoritário, nos moldes da Revolução Industrial, não será capaz de tal orquestração. Há de se imaginar um líder com espírito estadista, responsabilizando-se pelo todo e buscando respostas para novas (e velhas) perguntas.

Questões intelectuais e tecnológicas devem ser postas à prova: qual é a ciência que busca o conhecimento capaz de fazer o bem? Como a tecnologia deve cumprir o seu papel de meio e não de fim?

Questões relacionais e espirituais também devem ser postas à prova: para que existe a humanidade? Qual é o seu objetivo e o seu significado? Em que dimensões encontramos suas raízes, seus sistemas de valores, seus fundamentos morais? Qual o grau de atenção, interesse e amor que devemos devotar uns aos outros?

É possível que, quando pensamos no natural, o passado e a tradição contem mais do que o moderno e o futuro. Sim, devemos valorizar muito o passado e suas lições. Retroceder, no entanto, não é avançar. O retorno ao natural propõe um reencontro com nossas raízes comuns em que nos identifiquemos como seres humanos, sejam quais forem as diferenças.

A conexão humana é uma linguagem universal. Ao natural é uma imagem e uma metáfora comum a todos os habitantes da mesma casa comum. É a reconquista de um novo equilíbrio e do paraíso perdido. Uma nova revolução, portanto. É a Revolução da Vida.

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