Entre o profano e o sagrado

Yuval Harari dissecou nossa origem e história com excelência, no best-seller Sapiens. Existe, no entanto, um complemento que considero instigante, tratado um século antes pelo eminente sociólogo, psicólogo social e filósofo francês Émile Durkheim, que viveu entre 1858 e 1917.

O homo sapiens de Harari era o homo duplex para Durkheim, ou seja, uma criatura que existe em dois reinos: o do profano e do sagrado.

O lugar do profano é o do dia a dia em que vivemos a maior parte de nossas vidas, preocupados com a saúde, as finanças, a reputação, a honra. E não somente. Também acalentamos um sentimento perturbador de que exista algo mais importante e nobre do que as mazelas e mesmices cotidianas. Uma ambição pelo sagrado.

O lugar do sagrado, segundo Durkheim, não se encontra no individual, mas no coletivo. É lá que se consegue viver o êxtase da congregação e do sentimento de não estar só no mundo. Algo parecido com “é impossível ser feliz sozinho”, verso da canção de Tom Jobim.

O sagrado faz a pessoa esquecer de si mesma e de suas preocupações imediatas, voltando-se para o coletivo. Também sinaliza para novos desafios e possibilidades, fazendo com que aflorem potencialidades até então desperdiçadas na rotina do profano. O sagrado requer uma direção norteada por valores e isso faz com que as pessoas evoluam. Nada mais próximo, portanto, do amor ao próximo e do bem-estar coletivo.

Atuo em colaboração com empresas – construtos coletivos – há mais de quatro décadas. Na Metanoia, dedicada à educação e da qual sou fundador, costumamos tratar as empresas como obras. Além de coletivas, são sempre inacabadas, e temos contribuído para que façam o melhor uso dos valores e talentos das pessoas que nelas trabalham. Quando seus integrantes comungam dos mesmos valores e propósito, voltado para algo ou alguém, por decisão clara e bem dialogada, aquele passa a ser um lugar sagrado.

Existe um fator químico no trabalho coletivo e que traz o sentimento do sagrado. A oxitocina, um hormônio neurotransmissor produzido pelo hipotálamo, traz sentimentos de amor, união social e bem-estar. Relações de confiança aumentam ainda mais a produção de oxitocina. O capital relacional é produtor de oxitocina.

Reconheço as vantagens logísticas e conveniências econômicas do trabalho remoto, avalizado e impulsionado pela pandemia, mas me pergunto se o lugar do profano não avançou demais sobre o lugar do sagrado.

Em meu próximo livro, a ser lançado em breve, faço a distinção entre a economia das coisas – da velha economia – e a economia das gentes – a da nova economia. Perceba que é das gentes, no plural, pois essa é natureza do homo sapiens.

Não sem motivo, portanto, denomino a nova economia de Economia ao Natural. Que seja sempre sagrada!

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Zé Carmona
Zé Carmona
1 ano atrás

Fantástico como sempre! Obrigado por compartilhar tanto conhecimento e sabedoria .

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